Síntese de Gianfranco Ravasi (trad. J. Konings)
A palavra de Deus na vida da
igreja
[...] É uma mensagem que
confiamos antes de tudo a vós, pastores, aos tantos e generosos catequistas e a
todos os que são guias na escuta e na leitura amorosa da Bíblia. Para vós
queremos delinear a alma e a substância deste texto, para que cresçam e se
aprofundem nosso conhecimento da Palavra de Deus e o amor que lhe dedicamos.
São quatro pontos cardeais no
horizonte que vos convidamos a conhecer e que expressamos por meio de quatro
imagens.
Antes de tudo temos a voz divina.
Ela ressoa na origem da criação, rompendo o silêncio e dando origem à maravilha
do universo. É uma voz que, depois, penetra na história, ferida pelo mundo do
pecado humano e envolta de sofrimento e morte. Voz que evoca o Senhor
caminhando com a humanidade, para lhe oferecer a sua graça, sua aliança, sua
salvação. Voz que depois cresce até as páginas da Sagrada Escritura, que hoje
lemos na igreja sob guia do Espírito Santo, que a esta e a seus pastores é dado
como luz da verdade.
Além disso, como escreve São
João, “a Palavra se fez carne” (1,14). E
assim vemos aparecer o Rosto. É Jesus Cristo, Filho de Deus eterno e infinito,
mas também homem mortal, ligado a uma época histórica, a um povo, a uma terra. Ele
vive a existência penosa da humanidade até a morte, mas ressurge glorioso e
vive para sempre. É ele que torna perfeito nosso encontro com a Palavra de
Deus. É ele que nos revela o “sentido pleno” e unitário das Sagradas
escrituras, que fazem com que o cristianismo seja uma religião que tem no seu
centro uma pessoa, Jesus Cristo, revelador do Pai. É ele que nos faz entender
que também as Escrituras são “carne”, isto é, palavras humanas que se podem
compreender e estudar no seu modo de expressar-se, mas que guardam no seu
interior a luz da verdade divina que só com a ajuda do Espírito Santo podemos
vivenciar e contemplar.
É o mesmo Espírito de Deus que
nos conduz ao terceiro ponto cardeal do nosso itinerário, a Casa da palavra divina, isto é, a Igreja, a
qual, como sugere São Lucas (At 2, 42), se ergue sobre quatro colunas
idealizadas.
- Em primeiro lugar, o
“ensinamento”, ou seja: ler e compreender a Bíblia no anúncio feito a todos, na
catequese, na homilia, por meio de uma proclamação que envolve mente e coração.
- Depois, a “fração do pão”, ou
seja, a Eucaristia, fonte e vértice da vida e da missão da igreja. Como ocorreu
naquele dia em Emaús, os fiéis são convidados a nutrir-se, na liturgia, à mesa
da Palavra de Deus e do Corpo de Cristo.
- Uma terceira coluna são as
“orações” com os “salmos, hinos e cânticos espirituais” (Cl 3, 16). Temos assim
a liturgia das horas, oração da igreja destinada a ritmar os dias e os tempos
do ano cristão. Há também a Léctio divina,
a leitura orante da Sagrada Escritura, capaz de guiar, na meditação, na
oração, na contemplação, ao encontro com Cristo, a Palavra de Deus vivo.
- Enfim, a “comunhão fraterna,
pois para sermos verdadeiros cristãos não basta sermos “os que ouvem a Palavra
de Deus”, mas devemos ser “os que põem em prática” no amor eficaz (Lc 8, 21).
[...].
Assim chegamos à última imagem de
nosso mapa espiritual. É a estrada na qual a Palavra de Deus se encaminha. “Ide
e tornai discípulos todas as nações, ensinando-as a observar o que eu vos tenho
mandado.... O que ouvistes, ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os terraços” (Mt
29, 19-20; 10,27). A Palavra de Deus deve correr pelas estradas do mundo que
hoje são as da comunicação informática, televisiva e virtual. A Bíblia deve
entrar nas famílias, para que os pais e os filhos a leiam e com ela rezem, e
para que ela lhes seja uma lâmpada para os passos no caminho de seu existir
(cf. Sl 119, 105). As Sagradas Escrituras devem também entrar nas escolas e nos
âmbitos culturais porque, durante séculos, tem sido a referência principal da
arte, da literatura, da música, do pensamento e da própria ética comum. Sua
riqueza simbólica, poética e narrativa a transforma em estandarte de beleza,
quer pela fé, quer pela própria cultura, num mundo amiúde desfigurado pela
brutalidade e pela feiura.
Mas a Bíblia nos apresenta também
o suspiro de dor que sai da terra, vai ao encontro do grito dos oprimidos e do
lamento dos entristecidos. Ela traz no vértice a cruz na qual Cristo, só e
abandonado, vive a tragédia do sofrimento mais atroz e da morte. Exatamente por
esta presença do Filho de Deus, a escuridão do mal e da morte é iluminada pela
luz pascal e pela esperança da glória. Mas nas estradas do mundo caminham
conosco também os irmãos e irmãs das outras igrejas e comunidades cristãs que,
embora na separação, vivenciam uma unidade ainda que não plena, pela veneração
e pelo amor que têm à Palavra de Deus. Ao longo da estrada encontramos muitas
vezes homens e mulheres de outras religiões que escutam e praticam fielmente os
ditames de seus livros sagrados e que conosco podem edificar um mundo de paz e
de luz porque Deus quer que “todos” os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade. (1Tm 2, 4).
Queridos irmãos e irmãs, guardai
nas vossas casas a Bíblia, lede, aprofundai e compreendei plenamente suas
páginas, transformai-as em oração e testemunho de vida, escutai-a com amor e fé
na liturgia. Criai o silêncio para escutar com eficácia a Palavra do Senhor e
guardai o silêncio depois da escuta, para que ela continue a morar, a viver e
falar a vós. Fazei-a ressoar no início de vosso dia, para que Deus tenha a
primeira palavra, e deixai-a ecoar em vós ao anoitecer para que a última
palavra seja de Deus.
Lectio Divina com a Pastoral da Esperança - Paróquia Sag. Coração - Brooklin (SP) |